LiterAção: Série: The Walking Dead

“Os Mortos Caminham”

Por Rodrigo Roddick

O que achar daquelas pessoas que andam para cima e para baixo no centro da cidade? Já puderam conferir de cima como elas se parecem com formigas? Às vezes me parece que elas não estão vivas de verdade, apenas se movem por uma energia básica que as fazem caminhar, como se fosse uma programação. Sempre que vejo alguma obra relacionada a mortos vivos, sempre penso na relação que eles têm com essas pessoas, mas não existe nenhuma que aborde esse assunto melhor que The Walking Dead.

Primeira HQ de TWD

Embora sua história original provenha de uma série de hq’s escrita por Robert Kirkman, e mesmo que já tenha havido adaptação cinematográfica, o que tornou The Walkind Dead um fenômeno mundial foi a série de televisão regravada que foi lançada no dia 30 de outubro de 2010, no canal de TV a cabo AMC. O sucesso da série veio por causa das inúmeras analogias que faz com o cotidiano das pessoas, utilizando a situação fictícia apocalíptica e os personagens.

O mundo apocalíptico de The Walking Dead trata daquilo que vemos todos os dias em nossas casas e ao sair dela: pessoas. Como o próprio autor afirma, tudo se trata de pessoas, não é à toa que os mortos que voltam da vida são apenas humanos.

Rick chegando em Atlanta.

Rick Grimes é baleado e internado em coma em um hospital até se recuperar, mas quando finalmente acorda, o mundo está completamente diferente. Primeiramente ele nota que não há ninguém na cidade, como se as pessoas tivessem desaparecido; mais tarde descobre que elas agora são zumbis. Lembrando de sua mulher e filho, Lori e Carl, Rick começa a procurar sua família e acaba conhecendo Morgan, que lhe revela sobre a maioria da população ter se transformado em mortos vivos, mas que desconhece a causa do apocalipse. É em meio a essa situação que Rick encontra sua família e conhece novos sobreviventes e junto com eles continua vivendo cada dia de um vez, à espreita dessa nova ameaça.

O apocalipse zumbi existe para criar diferenciação nos seres humanos que constituem a população mundial. Enquanto uns fazem o que são programadas para fazer (zumbis), outras estão a todo tempo buscando e descobrindo em si mesmo novos desejos (sobreviventes). Os zumbis são a maré de gente que tenta a todo tempo converter os sobreviventes a seguir o padrão, é por isso que apresentam a fome feroz e atacam quem está vivo. E quem está vivo tem que se esforçar o tempo todo para fugir deles, não ser comido por outras pessoas, o que pode ser entendido como a insistência em se manter íntegro e fiel a si mesmo, aos seus desejos e não o que o mundo exige da pessoa.

Zumbis da HQ.

No mundo cotidiano que vivemos, todas as pessoas usam máscaras por fazer coisas que não querem, mas que são melhor aceita pela sociedade, e a série incorpora essa discussão na transformação dos personagens no que diz respeito ao seu ofício. Michonne era advogada antes do apocalipse zumbi, Glenn, um entregador de pizza, Rick e Shane eram policiais, o Governador era dono de uma falida loja de CDs, e assim por diante. Todos os personagens tinham um ofício em suas vidas cotidianas, assim como nós, mas quando o apocalipse aconteceu, eles assumiram funções diferentes que varia decorrente das vontades individuais deles e do que precisam fazer para se manterem vivos. Essa mudança é uma analogia ao uso de máscaras que, quando os mortos voltam a caminhar, elas são destruídas e todos os desejos que antes eram importantes (casar, trabalhar, comprar um carro, uma casa, formar família, dar comida pro cachorro) desaparecem, deixando apenas a verdadeira sina da vida humana, a luta pela sobrevivência. Nesse caso as pessoas vão se despindo de suas máscaras e vão assumindo suas verdadeiras identidades.

A série lança um monte de questões para o telespectador pensar; E se isso realmente acontecesse, o que iria fazer? Continuaria lutando pela sobrevivência em um mundo sem governo, polícia, mídia, escola, saneamento básico etc? Conseguiria proteger sua família? Iria se manter com caráter íntegro? Iria sucumbir ao desejo de fazer o que quisesse fazer? Iria querer manter a ideia de sociedade? Como seria as relações com as pessoas próximas e as desconhecidas? Ao longo da história, Robert Kirkman vai apresentando suas respostas a essas perguntas baseadas em suas visões de como ele viveria nesse mundo, mas convida o telespectador a também tentar se imaginar nessas situações. Outro ponto interessante é a ausência do dinheiro na história, que revela precisamente o valor exacerbado que damos a moeda. O que em nosso cotidiano é considerado muito importante, em The Walking Dead sequer existe. E nós baseamos nossa vida toda nele.

Zumbis da série.

Paradigmas e questões sociais que muitos antropólogos lutam para destruir em nossa sociedade se sustentaria em um mundo apocalíptico? No mundo fictício de Kirkman, observa-se que não. Racismo, homofobia, xenofobia, classes sociais, ricos e pobres... tudo disso desaparece quando o mundo humano sucumbe a morte, e a vida fica reduzida a simples luta dos vivos contra os mortos... até o momento que os vivos precisam lutar contra os vivos. A aparente ausência desses preconceitos indica um pensamento claro: a cor, a preferência sexual, o poder aquisitivo e classe social realmente importa? Então por que ainda damos valor a isso?

A única lei que predomina a série é a lei da natureza, onde só os fortes sobrevivem, portanto muitas pessoas que são fortes, em virtude de alguma habilidade, pensam em dominar as outras mais fracas. Aquelas que ambicionavam o poder, mas não tinha como possui-lo, agora encontraram a oportunidade para conseguir o que sempre queriam. Então muitos grupos se formam por aproximação de habilidades e interesses, e alguns deles derrubam outros pelo o que podem tirar deles, coisas que são necessárias para sobrevivência, e outros matam os mais fracos por pura diversão. Alguns se mostram como os bárbaros que são, enquanto outros se mantém fieis a suas integridades empáticas e solidárias.

Zumbi devorando uma pessoa.

Obviamente se as pessoas voltassem da morte querendo comer as outras, muitas mortes ocorreriam na frente de pessoas que nunca lidaram com isso em suas vidas. Muitas veriam seus filhos serem devorados por zumbis, outros veriam os pais, e alguns veriam amigos... e isso, sem dúvida, mexeria com a cabeça delas, fazendo-as assumirem outros comportamentos. E algumas situações, que antes pareciam nada interessantes e impossível, passam a chamar a atenção delas. Como ocorre com Rick e Shane.

Shane, Rick e sua esposa, Lori.

Os dois parceiros policiais que iniciam a série são amigos e vivem no dia a dia um do outro. Se conhecem muito bem e conhecem as demais pessoas que o acercam. Ainda, frequentaram a escola juntos e desde então foram construindo a amizade entre eles. Entretanto quando Rick é internado no hospital e o mundo vai pro espaço, Shane deixa o amigo lá e vai em busca de família do amigo para salvá-los dos mortos, e os leva para fora da pequena cidade. Junto com outros sobreviventes, constroem um acampamento e Shane acaba se apaixonado por Lori, a esposa de Rick. Eles passam a se relacionar escondidos do grupo por causa do Carl. Shane começa assumir o papel de pai e esposo, que antes era de Rick, mas ele os encontra e retoma sua esposa e filho. Shane fica perturbado pelo reaparecimento de Rick e começa a pensar que ele não deveria ter sobrevivido. À medida que a história avança, Shane tenta retirar Rick de seu caminho, chegando por fim a tentar matá-lo, mas Rick descobre e acaba invertendo situação. Esses acontecimentos ilustram como as pessoas podem esquecer facilmente dos laços que constroem quando desejam alguma coisa e não nenhum empecilho para consegui-la.

Três personagens que têm muito destaque e representam as principais questões abordadas são Rick Grimes, Brian Blake e Daryl Dixon. Rick é a personificação daquela pessoa que luta para proteger sua família e as pessoas que ingressam nela; Brian, o Governador, é aquele passa por trauma e acaba assumindo outra personalidade, tentando dominar todas as pessoas para satisfazer sua mente perturbada; e Daryl é a aquela pessoa que sempre viveu de acordo com a lei da natureza, sobrevivendo sem ter que passar por cima de ninguém.

A história do Governador, sobre sua dupla personalidade, é contada nos livros.