Distanciamento
da Animalidade
Por Rodrigo Roddick
A exposição ComCiência, de Patrícia Piccinini, é pautada por esculturas
hiper-realistas que remete ao espectador o reconhecimento de seu eu natural. As
obras são como um reflexo da animalidade que nos constitui, afinal somos
animais e sempre nos esquecemos disso. Ao caminhar por elas, no entanto,
lembramos que não somos maiores ou menores que quaisquer espécies, somos apenas
vidas animais. As ilustrações podem causar uma repulsa, à primeira vista, mas
logo causa uma aproximação do espectador com a obra.
O Visitante, de Patrícia Piccinini |
Paralelamente a essa interpretação, há uma
discussão entre o uso indiscriminado da ciência e na tendência que o homem tem
de humanizar tudo o que vê. A exposição levanta questões sobre a possibilidade
do uso da ciência genética para criar máquinas com vida, que seriam nossos
substitutos para realizar tarefas que são muito mundanas. Imagine se pudéssemos
criar seres que poderiam dar carinho aos nossos filhos, brincar com eles, coloca-los
para dormir, amamentá-los, enquanto estamos ocupados com outras coisas
importantes.
Os amantes, de Patrícia Piccinini |
Logo de início, o espectador se depara com uma
obra constituída por um conjunto de motos, indicando como a sociedade
substituiu a vida animal pela morte do metal frio, destruindo o ambiente
natural em uma área urbana para atender a essas novas construções humanas.
Obviamente uma crítica a interferência destrutiva do homem, como também o
dilema de se pegar um recurso natural e decidir se seu uso será para alimentar
nossa existência natural ou alimentar máquinas, como os biocombustíveis, por
exemplo. Aponta que isso seria dar vida a maquina e que o ser humano tem a
insistência em seguir nesse caminho.
Indiviso |
A maioria das obras, porém, se baseia na
representação do ser humano natural, embora algumas sejam produtos da
imaginação criativa de uma criança. Pode-se observar a constante aparição de
características primatas, representadas pelos macacos, mas alguns seres que não
existem em nosso mundo. A escolha desse animal não foi aleatória, afinal é o
que possui as características mais próximas do ser humano. A ideia é fazer o
espectador se identificar com as obras, imaginando que poderiam estar em seu
lugar, realizando as tarefas mundanas como as criaturas estão fazendo, como
brincar com as crianças, fazê-la dormir, dar carinho, etc. Existe uma linha de
pensamento que apresenta a opinião de que não devemos nos distanciar dessas
ações, que a vida se encontra nesses pequenos gestos.
A Confortadora |
Pavão de O Visitante |
“Caminhando
pela sala em que estas esculturas estavam, percebi a presença de ‘a
confortadora’ como se ela fosse real, pois quando passei pro ela rapidamente,
achei que fosse uma pessoa de verdade sentada no chão. Os detalhes muito bem
feitos, realísticos, que Patrícia Piccinini empregou em suas obras, por vezes
nos confunde se existe vida nas obras ou não. Foi o que eu senti quando o vi o
pavão. Achei que a qualquer momento ele fosse se mexer. Tive a mesma sensação
com outras obras. Em alguns momentos, me peguei pensando, ‘agora ela vai
sorrir’ ou ‘ele vai se levantar’, etc. É realmente impressionante como as obras
conseguem possuir mais vida do que quem a observa.” - Rodrigo Roddick
Grande Mãe |
A obra
que mais chamou atenção foi a “grande mãe” pela simplicidade da imagem, uma
criatura animal amamentando um bebê humano. Embora a escultura trate de uma
representação de uma mulher ausente da tarefa de amamentar para dar atenção a
sua vida cotidiana, o que mais se destaca nela é o olhar triste que exibe ao
encarar o espectador. Quando se encara seu olhar, a pessoa se sente como se sua
tristeza fosse por causa de quem a aprecia. É por esse caminho que se
compreende esta obra e se observa sua beleza. Ela estava triste porque a pessoa
que a apreciava, que é viva, tinha trazido o bebê para esse mundo, se ocupou
mais de suas tarefas superficiais do que cuidar dessa vida que pôs no mundo.
Existe uma bolsa feminina nessa obra, que revela justamente as tarefas
cotidianas que o ser humano cotidianamente tem. Em uma concepção mais ampla, a
grande mãe está triste porque percebe que ela, apenas uma escultura fria, tem
mais vida que o ser vivo que a observa. É a obra mais bela da exposição.
O olhar triste de Grande Mãe |
A
ciência é a principal vertente utilizada para as discussões das obras, e ela é
algo estritamente humano. A análise, por meio das ilustrações expostas,
apresenta o pensamento desconfortável que o homem realmente está tentando
humanizar tudo ao seu redor, usando a ciência, algo humano. Seria então a
ciência um grande desrespeito a natureza? Ou seria o uso indiscriminado dela,
novamente pelo homem, que torna essa ideia aparente?
A mostra teve início no dia 27/04 e vai até 27/06/2016, das 9h às 21h. Ela ocorre no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e tem entrada franca.
No site oficial de Patrícia Piccinini, você encontra estas e outras obras produzidas pela artista.
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