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domingo, 22 de maio de 2016

Livro: As Crônicas de Gelo e Fogo

Raízes de Uma Sociedade Fracassada
Por Rodrigo Roddick

Muita gente não se questiona sobre suas vidas, o que fazem, o que são obrigadas a fazer, o porquê, e portanto sequer enxergam que fazem parte de um sistema que não escolheram participar, mas que manda mais nelas do que ela mesma. O sistema e a vida de um indivíduo estão tão interligados que é quase impossível vê-los como coisas distintas, mas são. E um pode se separar do outro. Mas se as pessoas sequer enxergam essas nuances, jamais saberiam como separá-las... e certamente desconhecem a origem do modelo tradicional de sociedade.

Desde quando o antigo sistema sucumbiu junto com a cabeça de Luís XVI, o mundo passou por uma grande transformação no modelo social. Onde antes existia uma troca de servidão, em que o rei servia seu povo com justiça e proteção e o povo retribuía com provimento de alimentos e serviços, agora tudo passava a ser através do consumo. Não há nada que sobreviva nos diais atuais se não for pelo consumo. E é assim que temos vivido nossas vidas.

Juntamente com a Revolução Industrial, a Indústria Cultural matou a arte e tomou seu lugar, provendo a população com produtos de entretenimento, fáceis de serem assimilados e que não exigem que seus interlocutores pensem; por causa disso, a população passou a viver em um estado de letargia profunda, acreditando que o modelo social atual era a única realidade existente, a única que conheciam, pelo menos. Sem exercitar a reflexão, trabalhando avidamente e consumindo desenfreadamente, as pessoas se tornaram as máquinas (estas surgiram com a Revolução Industrial) que sustentam o sistema.

Cinco livros da saga + um livro paralelo.

Tornando estas questões mais aparentes, As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, constroem um mundo antigo baseado na sociedade de servidão, comum na Idade Média, que incorporam elementos atuais simbolizados nas personagens da trama como também descreve situações e práticas que existem até hoje.

A saga ainda não está completa, tendo publicado cinco livros dos sete esperados, porém já ganhou repercussão internacional ao ser adaptado para a série de TV Game of Thrones, do canal americano de TV a cabo HBO.

A história, nos livros, é contada a partir dos pontos de vista dos personagens, descrevendo seus cotidianos e contando os fatos mais importantes. Há um grande número de personagens, mas alguns, das principais famílias, dão a sequência da trama. Resumidamente, as Crônicas de Gelo e Fogo contam a história de uma sobrevivente da dinastia Targaryen, Daenerys, que era conhecida por sua linhagem provinda dos dragões. Ela deixou sua terra natal, Weteros, quando ainda era um bebê e assim que tem conhecimento sobre a história de sua família, ela tenta retornar ao continente para retomar o Trono de Ferro, que é seu direito de nascença. O mesmo foi usurpado por Robert Baratheon que reuniu algumas famílias vassalas dos Targaryen provocando uma rebelião, por causa de uma mulher, Lyanna Stark. Ela foi prometida a Robert, mas Rheagar Targaryen a raptou quando a conheceu, momento que se apaixonou por ela.
Quem governava os Sete Reinos unidos era o pai da Daenerys, Aegon Targaryen, mais conhecido como Rei Louco. Ele recebeu esse título por causa de sua estranho desejo de queimar pessoas vivas, todas aquelas que desobedeciam suas leis ou que não eram aliadas ao reino. Por causa disso, o povo ficou a favor da rebelião quando ela chegou a capital, Porto Real.
A partir daí, com a morte do Rei Louco (que aconteceu quando Jamie Lannister o golpeia com sua espada pelas costas), Robert Baratheon assumiu os sete reinos e os governou por 14 anos. Ele também é traído pela família Lannister. Sua esposa, que pertence a esta família, comete adultério fornicando com o irmão, e com ele gera três filhos. Após tramar a morte de Robert, Cersei Lannister, põe seu filho, Jofrey, fruto de incesto e adultério, no trono, pois o apresenta como herdeiro legítimo do rei, mesmo contra sua última vontade que é revelada ao seu amigo fiel Eddard Stark.
Depois que os Lannister assumem o Trono de Ferro, os Sete Reinos começam a se dividir e Westeros enfrenta guerra civil. E a trama prossegue a partir daí.

As principais famílias da saga, seus símbolos, castelos e suas palavras.

Naquela época a segurança que uma família era conquistada com a derrubada de outras. Embora houvesse juramento de vassalagem, muitas pessoas o encaram como apenas palavras ditas. Mas alguns levavam a sério. Na série as famílias representam as vertentes de um ser humano. Os Starks são aquelas pessoas justas e honrosas, sinceras, que quando prometem algo vão cumprir. Possuem um caráter íntegro. Já os Lannister são o oposto. Como a família é representada pelo leão, eles se acham dignos de governar os demais; só confiam neles mesmos e todos as outras famílias são encaradas como inimigos. Não estão nenhum pouco presos a juramentos e recorrem a métodos sujos quando necessários aos seus ideais. Os Tully representam aquelas pessoas que são muito fraternais, enaltecem a família e a honra acima de tudo. Os Baratheon são os visionários, aqueles que lutam por seus ideais. E por ai vai. Cada família tem um conjunto de palavras que definem a filosofia que rege suas terras. Assim como as pessoas possuem a personalidade para povoar seu corpo.

A guerra civil que ocorre logo no começo da história quando o Rei Robert Baratheon morre, é a representação da política em nosso sistema atual, onde pessoas brigam para sobrepor suas ideias às demais. Como hoje em dia, no ambiente fictício dos sete reinos, as famílias nobres pouco consideram o povo e os menos favorecidos, ou seja, aqueles que os mantém no poder; só estão preocupadas com quem estará no poder e o quanto isso pode afetar sua liberdade. Infelizmente um cenário ao qual estamos muito acostumados.

Daenerys Targaryen e seu dragão Drogon, um dos três que possui.

Independente de quem está no poder e quem tenta tomá-lo para si, a verdadeira herdeira está todo outro lado do oceano livrando as pessoas da escravidão, onde a prática ainda era base do sistema deles. Daenerys não concorda que as pessoas mereçam esse tipo de tratamento, pois ao seu ver, todos são feitos de carne e água, e todo sangue é vermelho.

Abrindo um parêntesis, o preconceito é algo marcante na série, não somente com os menos favorecidos, como também com os homossexuais. Em todos os tempos houve pessoas que se relacionavam com o mesmo sexo; na Grécia antiga essa prática além de ser comum era encorajada pela população. Os jovens masculinos, porque infelizmente somente o homem tinha direito a educação, tinham que ser iniciados na prática sexual por seus mestres para se tornarem homens, do contrário eram mau vistos pela sociedade. Outro ponto importante... a mulher sempre foi desvalorizada. E na saga não é diferente. Também há muito preconceito envolvendo a suposta fragilidade feminina. Por isso há a presença de uma personagem, Brienne de Tarth, que é uma mulher guerreira, provando que assim como os homens a mulher tem o direito de fazer o que quiser fazer. É tão forte quanto.

Lady Melissandre, a Mulher Vermelha.

No geral, As Crônicas de Gelo e Fogo é uma grande análise de George R. R. Martin sobre o mundo atual. Uma analogia de como o mundo se construiu e ao que ele deveria prestar atenção de verdade. E isto é muito claro quando percebemos as duas vertentes que surge na história. Os vivos terão que lutar contra os mortos. Segundo Melissandre, uma sacerdotisa de um deus chamado de Senhor da Luz, existem apenas dois deuses no mundo (porque na história há uma constante narração de vários deuses, uma clara analogia de como o ser humano consegue criar figuras imagináveis e se deixam dominar pelo que não existe): o Deus da Luz, alegria e vida, e o Deus do Frio, tristeza e morte, e eles vivem em constante guerra. Nesse momento eu me pergunto: o que seria isso senão a constatação clara que NÓS, seres humanos, vivemos constantemente à sombra da morte, que a qualquer momento podemos morrer?

Um dos Generais dos exércitos dos mortos.

Martin quis que pensássemos nisso. Temos a estúpida mania de achar que só vamos morrer quando estivermos bem velhinhos, numa cama quentinha, partindo enquanto dormimos... muito disso devido ao fato de estarmos vivendo uma ilusão de segurança e conforto construído por um sistema que criamos para nos servir. No entanto, a verdade é que qualquer coisa pode nos matar. Não estamos seguros! A morte virá para todos nós e isso pode ser a qualquer momento. O falso conforto que temos nos impede de abrir nossos olhos para essa realidade, e por isso não vivemos o aqui e agora. Vivemos sempre no futuro... planejando, pensando, orquestrando... Isso porque o sistema precisa continuar... a ironia é que criamos um sistema para nos servir, mas somos nós que servimos ao sistema.

Represeiro, onde Bran Stark consegue se conectar com outros represeiros e ver os que elas presenciaram no presente, passado ou futuro.


As Crônicas de Gelo e Fogo foram criadas para que todos os seres humanos despertassem dessa letargia, desse sono profundo induzido, e acordassem para a vida. E isso só será possível com muito reflexão, por isso que seu caminho é através da literatura. Leiam. Pensem. Vivam. A morte nos espreita e é a única certeza que temos. É o nosso destino. Então vamos fazer de nosso caminho até ela o mais vivo possível.

Para mais conteúdo, acesso o portal nacional de Game of Thrones.

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