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terça-feira, 24 de maio de 2016

Filme: X-men - Apocalipse

A Ideia que Construiu a Vida
Por Rodrigo Roddick

Cartaz do filme.
É verdade que estamos todos conectados por um sistema que através da moeda nos faz interagir para que troquemos um serviço por um produto ou um produto por outro. A moeda, vista desse jeito, se torna o caminho até o que se quer. Mas o que se vê hoje em dia é o exagerado valor que essa moeda ganhou. Sobrepôs os produto, o serviço, a troca, o carinho, o amor, as pessoas, a vida... e simbolizou apenas o poder.

Criamos um sistema para suprir nossas necessidades e ele supriu. Mas por que é tão difícil enxergá-lo apenas assim? Como um sistema? Como uma ideia que deu certo? Porque ele não é mais um simples sistema. Destruiu e substituiu o que um dia chamamos de vida. Neste dia a nossa vida acabou é uma ideia com a mesma imagem assumiu seu lugar. O que estamos fazendo hoje, senão apenas dando continuidade a essa ideia?

Discutindo paralelamente essa questão, encontrei esses dias (em um momento de lazer qual considero muito valioso) um filme que ressalta esses pensamentos. Em X-men –Apocalipse, percebi o quanto os mutantes há muito (porque acompanho as histórias desde pequeno pelas HQs, desenhos e filmes) querem me dizer: o mundo não é o que parece. E aí chega o dia em que alguém tem a coragem de dizer isso em voz alta, mesmo na frente de um bando de outros que estão apontando armas para ele. E foi isso o que eu vi no filme.

X-men – Apocalipse tem uma história que há muito foi criada para as HQs. Um mutante muito poderoso, que nasceu no antigo Egito, tem a habilidade de transportar sua consciência e seus poderes para outro corpo quando o seu está muito velho (seu poder é diferente nas HQs, onde ele pode transformar sua massa corpórea no que quiser). O filme começa em um desses momentos, em que ele está transferindo sua vida para outro corpo, um voluntário para receber e ser o grande En Sabah Nur (pois ele é considerado um deus, o verdadeiro deus sobre a Terra), quando é traído por seus súditos. Eles tentam enterrá-lo debaixo da pirâmide e matam seus quatro cavaleiros (mutantes que o protegem quando ele está vulnerável) e realmente conseguem enterrá-lo vivo.
Os milênios passam e Moira McTaggert, uma agente da CIA e amiga de Charles Xavier, sem querer, acaba provocando condições favoráveis ao ressurgimento de En Sabah Nur, que realmente ressurge e se torna o Apocalipse, conquistando novos quatro mutantes para serem seus cavaleiros, entre eles Erik Magnus Lehnsherr.
Charles Xavier recruta novos mutantes para a sua escola de superdotados, mas é capturado por Apocalipse, que quer transferir-se para o corpo dele na intenção de conseguir o poder telepático de Xavier e continuar seu plano de reconstruir a Terra. Os novos mutantes juntamente com os antigos vão em busca de seu mentor, descobrindo onde ele está graças a mensagem particular que ele compartilha com Jean Grey.

Apocalipse e seus quatro cavaleiros, Tempestade, Magneto, Anjo e Psylocke.
O mutante mais importante do filme traz consigo uma riqueza de pensamentos que podemos nos apropriar para refletir. Logo que ele aparece, no início do filme, ele é retratado com um deus egípcio, ou seja, alguém maior e mais importante que a raça humana, alguém superior. Entretanto ele é apenas um homem, a evolução do homem, um mutante. Não um deus. Esse paradoxo simbolizado em sua imagem constrói a questão: e se Deus fosse um homem? E se o homem fosse Deus? E se o homem criou Deus, ao invés do contrário? Obviamente não é possível se chegar em uma resposta clara para isso, mas como são as questões que movimentam o mundo, é preciso conhecê-las para caminhar com ele.

En Sabah Nur (Apocalipse)
Apocalipse representa essa filosofia, de que Deus nada mais é do que o reflexo humano, o pensamento do homem em existir algo maior que si mesmo e, pelo exercício do pensamento, acaba criando algo maior que ele, de fato; sendo doutrinado por este algo, no processo. O homem seria encarado como “O Criador” nessa tese, e não Deus, o que reflete o verdadeiro poder de cada indivíduo, sendo este o objetivo do personagem. O poder que o homem tem para criar tudo o que quiser, inclusive o mundo.

Quando Apocalipse revela que seu plano é reconstruir o mundo, não é exatamente destruir a Terra o que ele deseja, e sim o sistema a qual todas as pessoas estão vinculadas. Ele não admite que seus filhos sejam inferiores a uma ideia que os humanos construíram, porque eles têm poder para criar tudo isso, serem superiores. Para entender melhor essa ideia, devemos considerar que os mutantes são uma metáfora que representa as pessoas que conhecem o seu verdadeiro poder, ou seja, aquelas que não estão iludidas achando que o sistema é seu mundo, mas compreendendo que é apenas uma ideia construída por outros seres humanos.

De uma maneira mais fácil, podemos entender essa situação da seguinte maneira: quando nascemos, vamos aprendendo a nos adaptar ao estilo de vida que outros de nós que chegaram antes vivem, e percebemos como esse mundo é complexo e enorme. Entretanto ninguém nos ensina e nos revela que esse mundão foi construído por pessoas... pessoas igual a nós. Ou seja, nós também podemos criar o mundo e recriá-lo da nossa maneira. Esse é o poder do qual estou falando. Este é o poder que faz de um ser humano comum ser um Criador. Não é à toa que os mutantes (humanos superpoderosos) possuem poderes (criação). Os poderes que os mutantes têm são uma metáfora do poder que o ser humano tem, mas desconhece...

Agora voltando ao Apocalipse... é por isso que ele não gosta de ver os mutantes abaixo de quem sequer conhece seu poder. E deseja destruir o mundo para mostrar como ele (o símbolo de uma pessoa liberta dos paradigmas) consegue construir outro. E o fato dele ser o vilão na história revela como essas pessoas que se libertam do sistema são vistas pelas outras pessoas que ainda estão presas, a forma como são vistas pela grande massa. O pensamento da grande massa é o pensamento do sistema difundido, e ele enxerga essas pessoas superpoderosas (mutantes) como ameaças. Desse modo também dá pra compreender por que os mutantes sofrem preconceito... pela ameaça que representam ao modelo tradicional de vida. (Não obstante, X-mem foi criado em uma época em que a sociedade americana vivia uma grave crise social no que dizia respeito ao preconceito a todas formas diferentes de uma pessoa ser. Discriminavam negros, homossexuais, mulheres, estrangeiros, etc.)

O próprio nome “Apocalipse” é uma apropriação da bíblia para causar ainda mais reflexão. Quando Moira McTaggert supõe diante de Charles que a bíblia pode ter se baseado nele, está sendo revelado o pensamento que mais irrita a religião: e se a bíblia foi escrita pelo homem? E se sua história são apenas metáforas de um cotidiano antigo? Esta cena cria a suposição de que o homem criou a religião e suas nuances e, mais uma vez, revela o poder que a humanidade possui para construir o mundo.

Uma cena muito interessante (se é que dá pra escolher uma) do Apocalipse é o momento que ele para diante de uma televisão e a Tempestade lhe pergunta o que ele está fazendo, e ele responde: “aprendendo”. Não tem como não perceber a crítica evidente nesse momento! Obviamente existe ali o pensamento que a população deu seu poder de reflexão (aprender) para a mídia (tv), deixando que ela governe e crie seus pensamentos, ou seja, que defina o que a população irá pensar. É um crítica ao indivíduo do século XXI, que vive governado pela mídia, ao invés de ser governando por si mesmo. E a mídia é aliada do sistema, que também o governa.

Mística (Raven)
Deixando um pouco este antagônico personagem de lado, encontramos outro que também traz uma série de questões. Quem acompanhou as HQs, ou até mesmo os desenhos de X-men, sabe que a Mística também é uma vilã. Contudo ela é vista como heroína no filme, inspirando vários mutantes a seguirem sua filosofia de se aceitarem como são. Mística é uma personagem muito diferente do ser humano. Tem pele azul, vive nua, e tem um rosto monstruoso com seus olhos amarelados. Essa imagem que ela constrói, as pessoas preconceituosas a denominariam como uma aberração, no entanto é justamente a mesma imagem que a faz ser heroína dos mutantes. Quando ela aceita quem ela realmente é, se observa claramente o desprezo por suas máscaras sociais, e convida a todos os mutantes a fazer o mesmo... Todas as pessoas verdadeiras detestam mentiras, então como conviveriam com uma imagem mentirosa? E é isso que uma máscara social é: uma mentira. É por isso que ela é heroína, porque tem coragem de se mostrar como ela é. Mística não veste roupas... não veste máscaras, não veste pudores, não veste falsidade... Foi uma grande sacada aproveitar essa personagem (uma vilã) para expor um pensamento tão bonito, não foi?

Charles Xavier
E se uma pessoa fosse capaz de sentir todas as outras e entender seus anseios, suas frustrações, seus sofrimentos, suas tristezas? O símbolo da empatia, o modelo utópico que o ser humano deveria seguir, é retratado no personagem Charles Xavier. Ele tem acesso ao íntimo de todas as pessoas existentes no mundo, e assim consegue compreender que, em seus desejos, medos e tristezas, elas são iguais. É por compreender isso que ele tanto protege e tem fé no ser humano. Tem esperança que há de chegar o dia em que as pessoas vão conseguir enxergar o que ele já enxerga: que todos nós somos um. Que o outro sou eu, uma variante de mim... e assim merece o mesmo cuidado que dou a mim. Apocalipse, porém, por ter uma representação metafórica diferente da de Charles, ele o vê como a chave para completude de seu plano... o que isso significa? Xavier tem acesso a todas as pessoas, logo... imagine que você conhece a verdade (que o que entendemos de mundo é apenas um sistema criado pelos seres humanos, e que o mundo de verdade não é isso), você não sentiria o desejo de compartilhar essa conhecimento com todos? Agora imagine que fosse possível entrar na mente de todas as pessoas? Nem precisaria convencê-las. Elas acreditariam na verdade, seriam a verdade. É por isso que Apocalipse diz que quando tiver o poder de Charles, ele vai poder estar em todo lugar, ser todo mundo. Ou seja, vai lembrar a raça humana quem construiu esse mundo.

Como já dito aqui antes, os mutantes são as pessoas em nosso cotidiano que detém o verdadeiro poder, o de ser quem são, o de criar as coisas, as que não são doutrináveis; entretanto existe outras ideias que metaforicamente os compõe: a animalidade do ser humano e sua evolução natural. Todo ser humano é um animal, mas ele se recusa a se ver dessa maneira, é por isso que alguns mutantes tem aparência e instintos animais, para relembrar que todos somos animais, e fazendo um personagem aceitar que ele é aquele animal azul e peludo, está nos ajudando a aceitar que também somos animais. Além disso, nós estamos vivendo um total descaso a natureza, o que se traduz em nos acharmos superior a ela. Os mutantes, como são a evolução do homo sapiens sapiens, representa a nossa evolução em se tornar um com a natureza, em finalmente entendê-la e ser ela; representa a evolução do nosso pensamento atrasado de enxergar a vida (que é pulsante na natureza vegetal e animal) como inferior ao conhecimento, mente, ciência.

Principais mutantes no filme.
X-men, de modo geral, seria um grande apelo a sociedade na tentativa de acabar com a superioridade humana... Quando vamos entender que somos todos iguais diante da natureza? Quando vamos respeitar as diferenças aparentes que possuímos? Quando vamos deixar de matar a natureza para construir coisas com seu cadáver? Quando vamos parar de nos matar? Tudo o que fazemos, fazemos em nome do progresso... E perseguindo o progresso estamos regredindo... X-men foi criado na década de 60, mas até hoje discute as mesmas questões da época... isso porque,  mesmo depois de 53 anos, não evoluímos um dia sequer. Estamos realmente atrasados.


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