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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Filme: Contra o Tempo

Reinício Diário Automático
Por Rodrigo Roddick

Como você se sentiria se acordasse em uma realidade completamente diferente da qual está habituado? Diante de pessoas que nunca viu? Pessoas que te conhecem, mas você não faz ideia de quem são? Possivelmente suas respostas a essas perguntas não seriam diferentes das minhas. Desorientação seria o mínimo a se considerar nessas circunstâncias. Agora imagine que você morre nessa realidade e depois revive nela, no exato ponto onde acordou.

Cartaz do filme
Essa é a proposta do filme Contra o Tempo (2011), em inglês “Source Code” (Código Fonte), estrelado pelo atraente Jake Gyllenhaal e dirigido por Duncan Jones. Foi altamente aclamado pelo público e pelos críticos. O personagem principal, Capitão Colter Stevens, acorda em um trem onde se depara com pessoas desconhecidas que, aparentemente, o conhece por outro nome. Em exatamente oito minutos, o veículo é alvo de um atentado terrorista e explode, matando todos a bordo. Colter acorda em uma capsula e descobre que faz parte de um programa experimental do governo que lhe permite reviver, várias vezes, os oito últimos minutos da vida de um dos passageiros, antes da explosão, na intenção de descobrir o responsável pelo atentado.

Já nessa ideia se observa um pensamento genial. Ao reviver a vida de um desconhecido diversas vezes, repetindo os mesmos acontecimentos, Colter convida o espectador a pensar sobre seu cotidiano. Sendo claramente uma metáfora crítica da rotina que todos nós temos, ela nos permite compreender que essa repetição automática e diária que insistimos em executar é, na verdade, um programa do governo. Uma metáfora de nosso sistema. Nesse caso, nossa vida seria exatamente esta palavra, vida? Seria algo resultante dos acontecimentos naturais que acontecem interna e externamente a nós enquanto corpo? Ou seria apenas um somatório de desejos alheios a nossa vontade, quais nos convencem diariamente que devemos satisfazê-los? Em troca de quê? Dinheiro. Uma conclusão automática para um sistema automático.

Cena em que o verdadeiro corpo de Colter é revelado 
Listadas acima estão algumas perguntas que o filme quer provocar na cabeça do espectador. É interessante como o governo sempre está por trás dos nossos interesses, o que nos faz, no mínimo, questionar se o que a gente quer é realmente o que a gente quer. O quanto do que pensamos é nosso e o quanto é influência de um sistema que nos quer ver apenas como peças, que ele tem liberdade para usar como quiser?

Cena do beijo final
Outro ponto forte é a questão de viver o que se quer viver, o agora, valorizar o momento, o presente. Aquele segundo que o filme congela, no beijo entre Colter e Christina é uma representação desse pensamento.


Contra o Tempo também trata da existência da realidade paralela, da recriação do tempo já vivido, o oportunismo dos gananciosos que visam o lucro das inovações tecnológicas, e o verdadeiro poder do ser humano. Colter consegue mudar sua realidade, mesmo sabendo que é impossível, e quebra o ciclo temporal recriado, construindo uma vida paralela à qual é criada para si. Esse é o presente deixado pela trama: mesmo que se acredite na ideia de destino, o ser humano tem o poder de criar um alternativo, e que esse poder sempre foi exclusivamente seu, e, do mesmo modo, arrancado de si.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Filme: O Doador de Memórias

Vida Cinza, de cinzas, em Cinza
Por Rodrigo Roddick

O conceito metafórico de preto e branco, e vida cinza, é bem conhecido por grande parte das pessoas, mas será que elas entendem seu real significado? Muitas aplicam esta ideia ao amor... e estão certas ao fazê-lo, mas o amor é a culminância das emoções e não apenas uma emoção.

Cidade futurista onde vivem.
Em O Doador de Memórias se observa claramente o uso dessa metáfora. O filme mostra uma sociedade pacífica, em paz, regida sob regras absolutas que garantem realmente a ordem. Nela, as pessoas são todas tratadas com direitos iguais e tudo funciona corretamente; todos os institutos sociais estão bem definidos, e todas as pessoas recebem uma atribuição para que o sistema continue a funcionar. É a partir do recebimento de sua função na vida adulta, em que Jonas, o protagonista, é selecionado como novo Receptor de Memórias, que a história começa a apresentar os problemas provenientes deste modelo social. Jonas descobre que as memórias das pessoas lhes foram roubadas, deixando apenas o básico, aquelas que seriam necessárias apenas para a execução de tarefas. Quando começa a recebê-las do doador, ele passa a se sentir confuso e distante da sociedade. Muda-la a qualquer custo e devolver a todos as memórias roubas passa a ser sua principal motivação.

Sociedade.

O filme se inicia em preto e branco pra demostrar a falta de cor na vida das pessoas, que estão vivas, mas não estão vivendo, apenas realizam tarefas diariamente que são necessárias para sustentar o sistema, nada mais. As pessoas desconhecem todos os sentimentos dos relacionamentos, pois não sabem o que elas são. Quando Jonas é selecionado como receptor, ele passa a enxergar as cores da vida, pouco a pouco, e então percebe o quanto estava “vivendo no automático.” A falta de cor também é uma alusão ao cinza dos centros urbanos, cor que predomina o “habitat natural” dos seres humanos, lugar em que se sentem confortáveis. É irônico que  o homem tenha que matar a natureza para se sentir natural.

Asher, Fiona e Jonas

Tal qual em nossa sociedade, cada um recebe um tarefa e fica nela durante toda sua vida, entorpecido pelo trabalho, sem saber que existe um mundo de possibilidades a sua volta. Não conhecem as cores, a música, nem, ao menos, as outras vidas... animais.

Os animais são seres mitológicos, imaginários, o que revela a distante interação que o homem tem das outras formas de vida, colocando-se superior. Quando há um perigo que assola ambos os lados, o homem não hesita em escolher seu semelhante, deixando que o outro animal pereça. Mas diferente de nós, os animais não menosprezam seus semelhantes pela diferenças de cor, religião, orientação sexual, posição social, etc. Eles sequer têm isso. Vivem com a natureza. Vivem. Suas vidas são muito mais preenchidas de cores que a nossa.

Jonas foge da cidade salvando Gabriel.
Jonas é permeado por memórias de emoções muito felizes e empolgantes, mas também recebe as doloridas e sofridas. Nesse momento é interesse a questão que se faz intimamente no espectador. Se o doador pode escolher quais memórias doar, por que não privar o receptor das que são doloridas e sofridas? A resposta pra essa pergunta é particular. A meu ver, isso acontece porque ele compreende o fundamental motivo da existência delas. O ser humano tem que sofrer tanto a felicidade quanto a tristeza. Não só de dor vive um homem, nem muito menos só de alegria. Não rimos o tempo todo. Devemos experimentar tanto a felicidade quanto a tristeza, mas não podemos nos deixar levar por nenhuma delas; não devemos nos aprofundar nem na dor nem na alegria, pois se isso acontecer, ficaremos entorpecidos e passaremos a ignorar às demais emoções, e quando isso ocorre, deixamos de viver, afinal passamos a ignorar a vida. Para viver não podemos nos privar de sofrer, sorrindo ou chorando.

Cena em que Jonas vê a cor vermelha no cabelo de Fiona.


Independente de tudo isso, o propósito do filme se concentra em destacar os sentimentos, a emoção, a vida. Sem as emoções a nossa vida nem pode se chamar assim, viramos apenas bonecos do sistema, para ele fazer conosco o que quiser. Não é à toa que é justamente ele quem decide quantas horas você tem pra dormir, quando almoçar, quando voltar pra casa, como também quem vive e quem morre.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Livro: X-men - Espelho Negro

Autorreflexo
Por Rodrigo Roddick

Na década de 60, os Estados Unidos passou por uma grave época de racismo. A intolerância racial marcou esses anos com uma violência explícita principalmente contra os negros. Imigrantes também não eram muito bem-vindos no país, e temas como homossexualidade e diversidade sexual não eram discutidos abertamente.

Não foi à toa que em 1963, X-men surgiu. Seus criadores, Stan Lee e Jack Kirby, observaram a necessidade de levantar tais questionamento sociais, intrínsecos em seus superpoderosos personagens.

Depois de muitos anos fazendo sucesso na mídia e nos lares dos fãs, as HQs viraram filmes e a história passou a conquistar mais fãs. Atualmente nota-se que ela está se encaminhando para outra vertente: livros.

Capa -Livro
Em “X-men - Espelho Negro”, escritor por Marjorie M. Liu, o grupo principal de mutantes componentes do X-men (Ciclope, Jean Grey, Noturno, Vampira e Wolverine) acordam sem seus poderes e se dão conta que estão em outros corpos que não os seus. Estão em corpos humanos. Diante dessa situação, eles começam a procurar respostas de como isso lhes aconteceu e descobrem que estão em um hospital psiquiátrico, e que os corpos que habitam são de pacientes com algum problema mental. Receando que seus verdadeiros corpos estão sendo habitados por essas mentes insanas, os X-men iniciam uma jornada em busca deles antes que a situação fique pior.


Além das costumeiras analogias em que X-men discute o preconceito com o diferente (o que rege a saga), em Espelho Negro, se observa uma questão bastante contundente, que parece ser uma vertente na qual se trabalha a cura desse preconceito: e se o preconceituoso estivesse na pele do alvo do preconceito?
A mudança de perspectiva, onde os cinco X-men trocam de corpos com pessoas comuns remete ao destacamento dessa questão, possibilitando que o leitor se coloque no lugar daquele, se for o caso, alvo de seu preconceito e então refletir como se sentiria se recebesse todas aquelas manifestações de violência verbal e física das quais eles são alvos diariamente. Não obstante, ainda constrói a imagem do que aconteceria se esses discursos de ódio fomentados por pessoas preconceituosas tivessem poder.

Realmente, com a mudança de corpos, as mentes insanas são colocadas nos corpos dos mutantes por causa de um mutante, Jonas Maguire, de capacidade psíquica avançada. Ele realiza esse feito para se vingar dos X-men e enfatizar o preconceito que a sociedade dirige aos mutantes, fazendo-os (os corpos mutantes com as mentes dos pacientes) comparecerem numa passeata pacífica em prol da união dos mutantes na sociedade e realizarem atos violentos, contradizendo a opinião dos simpáticos à causa.

Por causa de sua ideia absurda, Jonas Maguire propicia um episódio lamentável, mas que descreve claramente a violência que as pessoas preconceituosas dirigem às que são diferentes. Os cinco corpos dos mutantes ocupados pelas mentes insanas do paciente do sanatório, chegam na Escola Xavier para Jovens Superdotados, e Wolverine se encontra com Jubileu. Ela o adora e o venera, o verdadeiro Logan, mas fica horrorizada quando ele começa a espancá-la até a morte, o que não acontece pela intervenção dos outros X-men. Esse tipo de ato, espancamento, é a violência sendo praticada fisicamente contra a pessoa que é diferente do comum; o espancador preconceituoso tenta livrar a humanidade dessas pessoas, matá-las, porque percebem que no íntimo é tão igual a elas, e com medo de ser exatamente assim, com medo dessa constatação, ele tenta apagá-la.


O mutante Jonas Maguire além de dar vazão a sua vingança, conferindo poder ao preconceito contra a própria espécie, ele ainda se delicia com a oportunidade de destituir os mutantes de seus poderes, aprisionando-os em corpos humanos. Entretanto os X-men provam que, mesmo sem seus poderes, ainda conseguem consertar a situação e se manterem éticos, na medida do possível, pois – e aí o livro apresenta a sua razão de existir – compreendem que não é o poder que diz quem eles são, mas sim o caráter.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Filme: Jurassic Park

A Velha História
Por Rodrigo Roddick


Infelizmente é muito comum hoje em dia nos depararmos com notícias relacionadas a morte de animais porque um ser humano cruzou seu caminho, ou porque foram maltratados por eles, ou até mesmo porque o homem criou algum tipo de construção industrial que tornou o habitat impróprio para as espécies que vivem ao redor. Nessas circunstâncias, muitas pessoas não discutem a mensagem velada, o que vem subliminarmente revelado nesses atos: a superioridade do homem para com a natureza.

Jurassic Park (1993), de Steven Spielberg, discute principalmente a ilusão de domínio que o homem exerce (ou acha que exerce) sobre a natureza, e narra os desdobramentos dessa situação.

Velociraptor
O filme começa com um acidente envolvendo um velociraptor e um funcionário do Jurassic Park, que é morto quando tentam transferir o animal para sua nova moradia. Em seguida mostra a descoberta de uma ossada fossilizada de velociraptor pelo paleontólogo Alan Grant, mas que é atrapalhada pela chegada de John Hammond, de helicóptero, jogando poeira sobre os ossos. Quando Alan procura o recém chegado para reclamar sobre o incidente, descobre que está diante de seu investidor, o homem que custeia as suas escavações. No mesmo momento ele e sua namorada, a paleobotânica Ellie Sattler, são convidados a se juntar a ele, ao cientista Ian Malcolm e o advogado Donald Genaro, para visitarem um parque temático na Ilha Nublar, que fica no litoral da Costa Rica. Lá eles descobrem que as atrações do parque são dinossauros e ficam espantados diante da eventualidade peculiar. Juntamente com os netos de John Hammond, a equipe inicia uma visita nas dependências do Jurassic Park.
Donald Genaro representa o grupo de investidores que apoiam o projeto de John que, por causa do acidente com o funcionário, resolvem inspecionar o parque na procura de possíveis falhas de segurança. Para que o laudo tenha credibilidade diante dos investidores, é necessário que as autoridades na área endossem o documento, e por esse motivo, Ian, Alan e Ellie são convidados a visitar o parque.

A questão principal que se apresenta no filme é: homens e dinossauros poderiam conviver juntos, hoje? A resposta foi bem óbvia.

Cena retirada do filme que demonstra a resposta da pergunta: dinossauros e o homem, juntos?

Os dinossauros são animais que foram extintos no final do período cretáceo por causa, dentre muitas teorias, do impacto de um cometa ao planeta. Naquela época não existia sombra do aparecimento do homem na Terra, que surgiu há cerca de um milhão de anos, ganhando uma distância de tempo considerável dos “dinos”, aproximadamente 150 milhões de anos. Mas, dentro do ambiente fictício de Jurassic Park, essas duas raças foram postas juntas. É claro que, quando John Hammond, pensou em trazer de volta os dinossauros, ele não pretendia forçar uma convivência literal entre as duas raças, mas, de acordo com as opiniões divergentes apresentadas no filme, o homem sempre tem a ilusão de que pode controlar a natureza.

Esta cena ícone é uma metáfora sobre o homem comercializar a natureza; embalá-la e vendê-la.

Essa questão já começa a ser discutida logo de início quando os personagens descobrem a existência de dinossauros em pleno século XX, mas quando eles conhecem as instalações do parque e se encontram com a equipe de geneticistas, ela ganha mais corpo. É manifestado no filme, através de um geneticista, que os dinossauros, ao nascerem, são originalmente fêmeas, mas que ao receberem um hormônio extra, se tornam machos. Para impedir que eles se reproduzissem descontroladamente na Ilha Nublar, os geneticistas impedem que esse hormônio extra aja no embrião, ocasionando o nascimento de dinossauros apenas do sexo feminino. Ian Malcolm questiona o geneticista dizendo que o homem não deveria brincar com esse poder (o poder da criação) e que deveriam considerar o a imprevisibilidade que seus atos podem desencadear, o que ele chama de Teoria do Caos.

Ian personifica o pensamento filosófico do homem em avaliar se determinada descoberta deve ser realmente realizada, pois as implicações que ela traz pode desencadear acontecimentos catastróficos. O exemplo visto no filme é que obviamente um grupo só de fêmeas não poderia se reproduzir sozinha, entretanto Ian afirma, e assim construindo sua célebre frase, que a vida encontra um meio.

braquiossauros e estegossauros.

Em um almoço que o dono do Jurassic Park, o advogado e as três autoridades conhecidas realizam antes de visitarem o lugar, eles discutem essas implicações, decorrente do ato de trazer os dinossauros para conviver com o homem. Mais uma vez Ian diz que John se preocupou tanto em conseguir tecnologia para trazer os dinossauros a vida que não se perguntou se devia fazer isso. Por quê? Os dinossauros são uma raça que foram extinta naturalmente, não pela intervenção do homem, portanto não eram para eles existirem hoje, mas o homem perverte o curso natural ao determinar que eles voltariam. Ele não deveria mexer com o poder da natureza, pois não compreende e não conhece seus mistérios. Outra vez é destacado o pensamento embutido no filme: a superioridade do homem diante da natureza.

Cena em que Alan, Ellie e Ian se deparam com um dinossauro pela primeira vez

Hoje em dia vemos isso com frequência. As árvores podem ser destruídas para virar móveis e papel, os animais podem ser caçados para comer e virar roupas, mas o homem não! O homem tem que viver! Porque tudo que existe foi feito para ele usar... Não é bem assim. Essa é apenas nossa atitude, mesmo sem acreditarmos ou nos darmos conta dela. O homem se acha maior que todas as demais manifestações naturais, mas sequer pensa sobre o equívoco de seus pensamentos, afinal uma árvore vive 800 anos em média, os animais possuem atributos (presas, garras, asas, barbatanas, caudas) superiores aos do homem, e os mares, montanhas, sol e ar independem da existência humana. O homem é realmente superior?

Todos esses questionamentos nos fazem analisar sobre o nosso comportamento diante da natureza e nos obriga a compreender que somos apenas parte de um sistema natural. E isso fica bastante evidente em uma frase de Ian Malcolm que eu considero a melhor do filme.

Dilofossauros
Ainda na cena do almoço, diante dos questionamentos contrários de Ian, John Hammond não entende como um cientista manifesta essas ideias, uma vez que cientistas realizam descobertas o tempo todo. A descoberta é a razão deles existirem. Ele manifesta sua incompreensão dizendo “como podemos – nós cientistas, o homem – estar a luz de uma descoberta e não agir?”, pergunta que Ian rebate respondendo que ele não entende a beleza que eles veem na descoberta, uma vez que ela é penetrante e deformadora... aí  nesse momento ele diz a melhor frase do filme, que o resume completamente: “o que você chama de descoberta, eu chamo de violação do mundo natural”.

Esta frase é a resposta para a questão realizada pelo próprio filme.