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quinta-feira, 23 de junho de 2016

Filme: O Doador de Memórias

Vida Cinza, de cinzas, em Cinza
Por Rodrigo Roddick

O conceito metafórico de preto e branco, e vida cinza, é bem conhecido por grande parte das pessoas, mas será que elas entendem seu real significado? Muitas aplicam esta ideia ao amor... e estão certas ao fazê-lo, mas o amor é a culminância das emoções e não apenas uma emoção.

Cidade futurista onde vivem.
Em O Doador de Memórias se observa claramente o uso dessa metáfora. O filme mostra uma sociedade pacífica, em paz, regida sob regras absolutas que garantem realmente a ordem. Nela, as pessoas são todas tratadas com direitos iguais e tudo funciona corretamente; todos os institutos sociais estão bem definidos, e todas as pessoas recebem uma atribuição para que o sistema continue a funcionar. É a partir do recebimento de sua função na vida adulta, em que Jonas, o protagonista, é selecionado como novo Receptor de Memórias, que a história começa a apresentar os problemas provenientes deste modelo social. Jonas descobre que as memórias das pessoas lhes foram roubadas, deixando apenas o básico, aquelas que seriam necessárias apenas para a execução de tarefas. Quando começa a recebê-las do doador, ele passa a se sentir confuso e distante da sociedade. Muda-la a qualquer custo e devolver a todos as memórias roubas passa a ser sua principal motivação.

Sociedade.

O filme se inicia em preto e branco pra demostrar a falta de cor na vida das pessoas, que estão vivas, mas não estão vivendo, apenas realizam tarefas diariamente que são necessárias para sustentar o sistema, nada mais. As pessoas desconhecem todos os sentimentos dos relacionamentos, pois não sabem o que elas são. Quando Jonas é selecionado como receptor, ele passa a enxergar as cores da vida, pouco a pouco, e então percebe o quanto estava “vivendo no automático.” A falta de cor também é uma alusão ao cinza dos centros urbanos, cor que predomina o “habitat natural” dos seres humanos, lugar em que se sentem confortáveis. É irônico que  o homem tenha que matar a natureza para se sentir natural.

Asher, Fiona e Jonas

Tal qual em nossa sociedade, cada um recebe um tarefa e fica nela durante toda sua vida, entorpecido pelo trabalho, sem saber que existe um mundo de possibilidades a sua volta. Não conhecem as cores, a música, nem, ao menos, as outras vidas... animais.

Os animais são seres mitológicos, imaginários, o que revela a distante interação que o homem tem das outras formas de vida, colocando-se superior. Quando há um perigo que assola ambos os lados, o homem não hesita em escolher seu semelhante, deixando que o outro animal pereça. Mas diferente de nós, os animais não menosprezam seus semelhantes pela diferenças de cor, religião, orientação sexual, posição social, etc. Eles sequer têm isso. Vivem com a natureza. Vivem. Suas vidas são muito mais preenchidas de cores que a nossa.

Jonas foge da cidade salvando Gabriel.
Jonas é permeado por memórias de emoções muito felizes e empolgantes, mas também recebe as doloridas e sofridas. Nesse momento é interesse a questão que se faz intimamente no espectador. Se o doador pode escolher quais memórias doar, por que não privar o receptor das que são doloridas e sofridas? A resposta pra essa pergunta é particular. A meu ver, isso acontece porque ele compreende o fundamental motivo da existência delas. O ser humano tem que sofrer tanto a felicidade quanto a tristeza. Não só de dor vive um homem, nem muito menos só de alegria. Não rimos o tempo todo. Devemos experimentar tanto a felicidade quanto a tristeza, mas não podemos nos deixar levar por nenhuma delas; não devemos nos aprofundar nem na dor nem na alegria, pois se isso acontecer, ficaremos entorpecidos e passaremos a ignorar às demais emoções, e quando isso ocorre, deixamos de viver, afinal passamos a ignorar a vida. Para viver não podemos nos privar de sofrer, sorrindo ou chorando.

Cena em que Jonas vê a cor vermelha no cabelo de Fiona.


Independente de tudo isso, o propósito do filme se concentra em destacar os sentimentos, a emoção, a vida. Sem as emoções a nossa vida nem pode se chamar assim, viramos apenas bonecos do sistema, para ele fazer conosco o que quiser. Não é à toa que é justamente ele quem decide quantas horas você tem pra dormir, quando almoçar, quando voltar pra casa, como também quem vive e quem morre.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Livro: X-men - Espelho Negro

Autorreflexo
Por Rodrigo Roddick

Na década de 60, os Estados Unidos passou por uma grave época de racismo. A intolerância racial marcou esses anos com uma violência explícita principalmente contra os negros. Imigrantes também não eram muito bem-vindos no país, e temas como homossexualidade e diversidade sexual não eram discutidos abertamente.

Não foi à toa que em 1963, X-men surgiu. Seus criadores, Stan Lee e Jack Kirby, observaram a necessidade de levantar tais questionamento sociais, intrínsecos em seus superpoderosos personagens.

Depois de muitos anos fazendo sucesso na mídia e nos lares dos fãs, as HQs viraram filmes e a história passou a conquistar mais fãs. Atualmente nota-se que ela está se encaminhando para outra vertente: livros.

Capa -Livro
Em “X-men - Espelho Negro”, escritor por Marjorie M. Liu, o grupo principal de mutantes componentes do X-men (Ciclope, Jean Grey, Noturno, Vampira e Wolverine) acordam sem seus poderes e se dão conta que estão em outros corpos que não os seus. Estão em corpos humanos. Diante dessa situação, eles começam a procurar respostas de como isso lhes aconteceu e descobrem que estão em um hospital psiquiátrico, e que os corpos que habitam são de pacientes com algum problema mental. Receando que seus verdadeiros corpos estão sendo habitados por essas mentes insanas, os X-men iniciam uma jornada em busca deles antes que a situação fique pior.


Além das costumeiras analogias em que X-men discute o preconceito com o diferente (o que rege a saga), em Espelho Negro, se observa uma questão bastante contundente, que parece ser uma vertente na qual se trabalha a cura desse preconceito: e se o preconceituoso estivesse na pele do alvo do preconceito?
A mudança de perspectiva, onde os cinco X-men trocam de corpos com pessoas comuns remete ao destacamento dessa questão, possibilitando que o leitor se coloque no lugar daquele, se for o caso, alvo de seu preconceito e então refletir como se sentiria se recebesse todas aquelas manifestações de violência verbal e física das quais eles são alvos diariamente. Não obstante, ainda constrói a imagem do que aconteceria se esses discursos de ódio fomentados por pessoas preconceituosas tivessem poder.

Realmente, com a mudança de corpos, as mentes insanas são colocadas nos corpos dos mutantes por causa de um mutante, Jonas Maguire, de capacidade psíquica avançada. Ele realiza esse feito para se vingar dos X-men e enfatizar o preconceito que a sociedade dirige aos mutantes, fazendo-os (os corpos mutantes com as mentes dos pacientes) comparecerem numa passeata pacífica em prol da união dos mutantes na sociedade e realizarem atos violentos, contradizendo a opinião dos simpáticos à causa.

Por causa de sua ideia absurda, Jonas Maguire propicia um episódio lamentável, mas que descreve claramente a violência que as pessoas preconceituosas dirigem às que são diferentes. Os cinco corpos dos mutantes ocupados pelas mentes insanas do paciente do sanatório, chegam na Escola Xavier para Jovens Superdotados, e Wolverine se encontra com Jubileu. Ela o adora e o venera, o verdadeiro Logan, mas fica horrorizada quando ele começa a espancá-la até a morte, o que não acontece pela intervenção dos outros X-men. Esse tipo de ato, espancamento, é a violência sendo praticada fisicamente contra a pessoa que é diferente do comum; o espancador preconceituoso tenta livrar a humanidade dessas pessoas, matá-las, porque percebem que no íntimo é tão igual a elas, e com medo de ser exatamente assim, com medo dessa constatação, ele tenta apagá-la.


O mutante Jonas Maguire além de dar vazão a sua vingança, conferindo poder ao preconceito contra a própria espécie, ele ainda se delicia com a oportunidade de destituir os mutantes de seus poderes, aprisionando-os em corpos humanos. Entretanto os X-men provam que, mesmo sem seus poderes, ainda conseguem consertar a situação e se manterem éticos, na medida do possível, pois – e aí o livro apresenta a sua razão de existir – compreendem que não é o poder que diz quem eles são, mas sim o caráter.